Justiça mantem multas pelos desvios de recursos do FUNDEF

 Justiça mantem multas pelos desvios de recursos do FUNDEF

As multas diárias de cem mil reais, cobradas ao governo do estado do Piauí, são das secretárias de Educação e da Fazenda por desvio de finalidade de mais de um bilhão de reais

O juiz federal Marcelo Albernaz indeferi0u, nesta quarta-feira(27),  o pedido de atribuição de efeito suspensivo/antecipação da tutela recursal, requerida pelo governo do Piauí, para não pagar multa diária de cem mil reais pelas secretarias de educação e da fazenda por ter sido feita, de forma ilegal, transferência dos recursos do FUNDEF para a SEFAZ.

O deputado estadual Mardem Menezes atua na divulgação da decisão da justiça federal.

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Decisão TRF 1 (1)

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 17 – DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA
PROCESSO: 1026071-85.2022.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1018634-26.2019.4.01.4000
CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
POLO ATIVO: ESTADO DO PIAUI
POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado do Piauí
objetivando a anulação ou, subsidiariamente, a reforma de decisão que determinou “o imediato retorno da importância de R$ 1.016.916.765,35 (um bilhão dezesseis milhões novecentos e dezesseis mil setecentos e sessenta e cinco reais e trinta e cinco centavos) à conta vinculada à educação – nº 001.3791.108243, de titularidade da Secretaria de Educação do Estado do Piauí, sob pena de multa diária pessoal aos Secretários de Educação e de Fazenda do Estado do Piauí, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada um, em caso de descumprimento”, bem como cominou multa diária ao Estado do Piauí “no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em caso de descumprimento”.
Na essência, alega o agravante que:
1 – “a Justiça Federal materialmente incompetente para o julgamento de processos envolvendo o repasse de verbas federais para a composição do FUNDEB dos Estados”;
2 – “ainda que se pudesse sustentar a existência de interesse da União em fiscalizar o emprego das verbas federais repassadas para a composição do Fundo educacional do Estado, é induvidoso que, após a decisão proferida pelo C. STF no julgamento da ADPF 528, acima referenciada, os juros moratórios do Precatório FUNDEF/FUNDEB ASSUMIRAM NATUREZA JURÍDICA DISTINTA DO PRINCIPAL,
estando ipso facto desvinculadas das finalidades educacionais inerentes ao aludido Fundo”;
3 – “os Estados vêm faceando pungentes dificuldades financeiras em razão da queda de arrecadação fiscal referente ao ICMS (Imposto sobre a Circulação de Num. 247761540 – Pág. 1 Assinado eletronicamente por: MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ – 27/07/2022 12:27:00
http://pje2g.trf1.jus.br:80/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22072712242032400000242131554
Número do documento: 22072712242032400000242131554
Mercadoria e Prestação de Serviços de transporte e comunicação) imposta pelas Leis Complementares federais 192 e 194/2022, as quais, entre outras providências, trouxeram sensíveis quanto custosas modificações à sistemática de tributação dos combustíveis”.
É o relatório. Decido.
De imediato, verifico a existência de sentença proferida em ação civil pública determinando “que o Estado do Piauí (i) se abstenha de transferir para a Conta do Tesouro Única ou para qualquer outra conta existente em seu nome (incluindo os dos órgãos e entidades da administração direta e indireta) os recursos oriundos dos créditos
do FUNDEF decorrentes do precatório nº 0227623 77.2019.4.01.9198 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região); (ii) aplique os referidos recursos apenas em projetos, ações ou programas considerados como ação de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica, na forma da Lei n.º 14.113/2020; e (iii) identifique os beneficiários dos
pagamentos realizados a partir da conta específica do FUNDEB, nos termos do art. 10 do Decreto n.º 6.170/2007”.
Note-se que, em regra, as sentenças proferidas em ação civil pública têm eficácia imediata, consoante inteligência do art. 14 da Lei n. 7.347/85. Nesse sentido:
AGRESP – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 436647 2002.00.65837-
5, HUMBERTO MARTINS, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/11/2008; AG
0008815-98.2012.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA,
TRF1 – SEGUNDA TURMA, e-DJF1 22/05/2018; AG 0069282-09.2013.4.01.0000,
DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1
25/05/2015 PAG 589.
Ao que tudo indica, tal sentença ainda subsiste eficaz, porquanto não foi modificada nem suspensa pelo próprio juízo a quo ou por instância superior.
Logo, deve ser cumprida por seu destinatário, o Estado do Piauí, ao menos até que seja modificada ou suspensa especificamente pelo próprio Poder Judiciário.
A mera interpretação administrativa do Estado, ora agravante, no sentido de que tal sentença não subsistiria eficaz pela superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 528) não basta para exonerá-lo do cumprimento de ato decisório proferido em processo específico no qual figura como parte.
Para tanto, deveria provocar inicialmente o próprio juízo a quo e, caso não atendido em seu pleito, as instâncias superiores do Poder Judiciário objetivando a modificação ou suspensão de eficácia da referida sentença. Se entendesse pertinente, também lhe seria possível, ao menos em tese, provocar diretamente o Supremo Tribunal Federal em sede de reclamação (art. 13, Lei n. 9.882/1999).
Mas não poderia o Estado, destinatário de ordem judicial formalmente eficaz proferida em processo sobre caso concreto, simplesmente deixar de cumprir tal ordem judicial, sob pena de desrespeito à autoridade conferida constitucionalmente ao Poder
Judiciário.
Num. 247761540 – Pág. 2 Assinado eletronicamente por: MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ – 27/07/2022 12:27:00
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Noutro compasso, especificamente sobre os possíveis efeitos vinculantes do julgamento da ADPF n. 528 pelo Supremo Tribunal Federal, o que se tem, ao menos por enquanto, é apenas o afastamento da “subvinculação estabelecida no art. 22 da Lei n. 11.494/2007 aos valores de complementação do FUNDEF/FUNDEB pagos pela União aos Estados e aos Municípios por força de condenação judicial” e a vedação do “pagamento de honorários advocatícios contratuais com recursos alocados no FUNDEF/FUNDEB, ressalvado o pagamento de honorários advocatícios contratuais valendo-se da verba correspondente aos juros de mora incidentes sobre o valor do precatório devido pela União em ações propostas em favor dos Estados e dos Municípios, nos termos do voto do Relator” (destaquei).
No entanto, tal julgamento não deu ampla liberdade a Estados e Municípios para definirem a destinação dos recursos provenientes de complementação do FUNDEF/FUNDEB pagos pela União por força de condenação judicial, bem como respectivos juros de mora.
No que tange aos valores decorrentes de tais condenações judiciais, o voto condutor do aludido acórdão bem esclarece que “o Plenário do STF afirmou, em relação às verbas do FUNDEF, que ‘vinculam-se à finalidade constitucional de promoção do direito à educação, única possibilidade de dispêndio dessas verbas públicas’ (ACO 648,
Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ acórdão Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 06/09/2017, DJe de 9/3/2018)”.
Especificamente quanto aos respectivos juros de mora, tal voto – acolhido pela maioria dos Ministros do STF – apenas definiu que “podem servir ao pagamento de honorários contratuais eventualmente ajustados com os profissionais ou escritórios de
advocacia que patrocinaram a discussão em juízo sobre o valor dos repasses”.
Mas não há decisão do Supremo Tribunal Federal, com efeito vinculante, autorizando a utilização dos mencionados juros moratórios para outras finalidades.
Desse modo, à primeira vista, a sentença proferida pelo juízo a quo e a decisão ora agravada não atentam contra o efeito vinculante decorrente do julgamento da ADPF n. 528.
Por fim, tratando-se de decisão destinada a dar cumprimento a sentença proferida pelo próprio juízo a quo, não há dúvida acerca de sua competência para tanto, consoante art. 516, inciso II, do CPC. E, tratando-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, a competência, a princípio, é da Justiça Federal, pois, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “a mera transferência e incorporação ao patrimônio municipal de verba desviada, no âmbito civil, não pode impor de maneira absoluta a competência da Justiça Estadual. Se houver manifestação de interesse jurídico por ente
federal que justifique a presença no processo, (v.g. União ou Ministério Público Federal) regularmente reconhecido pelo Juízo Federal nos termos da Súmula 150/STJ, a competência para processar e julgar […] será da Justiça Federal” (AINTARESP –
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 917607 2016.01.22616-0, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/04/2017).Num. 247761540 – Pág. 3 Assinado eletronicamente por: MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ – 27/07/2022
Como se vê, ao menos neste momento, não se afigura provável o provimento do agravo de instrumento. Indefiro, pois, o pedido de atribuição de efeito suspensivo/antecipação da tutela recursal.
Intimem-se, inclusive a parte agravada para contrarrazões.
Após, ouça-se a PRR1.
Comunique-se ao juízo a quo.
Brasília, 27 de julho de 2022.
MARCELO ALBERNAZ
Juiz Federal – Relator convocado

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